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A Verdadeira História…

MAS UM CONTO DO LIVRO QUE NUNCA FOI PUBLICADO…
Seo Amâncio não acreditava no que estava vendo… tirou os óculos, esfregou os olhos e os colocou de novo… não adiantou… ainda não acreditava no que estava vendo. Retirou, esfregou as lentes na barra da camisa, esfregou os olhos, passou cuspe nas lentes, esfregou-as na manga e colocou os óculos…
Mesmo com esse ritual todo Seo Amâncio permanecia com uma expressão de espanto e interrogação no rosto. Com o sol da tarde castigando-lhe os olhos, ele pensava que estava vendo miragem.
“Não vai me deixar entrar ?” – perguntou a mulher.
“Mas… mas… mas é você mesma?” – indagou Seo Amâncio.
“Quem você pensa que sou? A Tiazinha? A Jane das Selvas?… sou eu mesma. Em carne, osso e muita vida!” – Respondeu a mulher já empurrando Seo Amâncio afim de liberar a passagem…
O quadro torto.
Até quando?
Ao Entrar na casa, quem ficou com cara de espanto e de interrogação foi ela. Tudo… mas tudo mesmo estava igualzinho há dez anos atrás. Era como se o tempo não tivesse passado dentro da casa. Os moveis ainda eram os mesmos… estão mesmos lugares… As cortinas com os mesmos sujos, talvez alguns novos, tampavam as mesmas janelas, que por certo mostraria mesma paisagem. A velha tv ainda na sala… a poltrona com o braço rasgado… os quadros nas paredes… ate os que estavam tortos continuam tortos… Nada… nada de novo, de mudança.
“Amâncio… Amâncio!!!! Mas nada mudou por aqui!?!?!?!?!?!?!”
“Sempre conversei tudo igualzinho a que você deixou… sempre esperando sua volta…” – respondeu Seo Amâncio com um sorriso.
“Que isso Amâncio… que isso Amâncio. E como se o tempo não tivesse passado aqui. Você não viveu Amâncio!!!!!”
“Claro que vivi… vivi esperando sua volta”
“fez mal, Amâncio. Fez muito mal. Agora eu sou uma cidadã do mundo, Amâncio. Sou uma espécie de Telma e Louise em uma pessoa só, Amâncio. Conheci outros mundos, outras pessoas, outras vidas, outros homens… Naquele dia que desci no porão, vi que não tinha vivido… vi que acabaria meus dias como aquela ratazana do porão. Sempre escondida, com medo da luz, das pessoas. Enfim, Amâncio, com medo de viver… Sair mesmo, sair pra viver.”
“Mas Clara, nós tínhamos uma história juntos. Nosso casamento, nossos filhos, nossa casa, tudo… você largou tudo e todos a troco de que?” – indagou Seo Amâncio, já duvidando que aquela mulher fosse realmente a sua doce e meiga Clara.
“Não…não Amâncio. Você tinha uma história. Sempre fui mera figurante na vida. Esta era a casa do Seo Amâncio… nossos filhos eram os filhos do Casal Oliveira… Ate o dinheiro era seu. Amâncio!!! Amâncio, eu nunca vivi; sempre fui de alguém. Antes de casar, era Clarinha do Epaminondas… depois fique sendo: Dona Clara do Amâncio… Nunca tive histórias. Sempre contei histórias que não eram minhas… Cansei, cansei com força. Passei os melhores anos da minha vida tendo e criando filhos… Depois deles passei a viver a vida deles. Eu cuidava deles, de você e da casa. Não tinha ninguém pra cuidar de mim… Sai. Fui viver. Foi dicífil, mas fui; fui. Paguei pra ver.” Contava Clarita com os olhos rasgos d’água.
“Eu não sabia que você era tão infeliz… Nunca lhe faltou nada!!! Sempre foi bom esposo, bom pai… Quando você sumiu, nós procuramos você tanto…”
“Último pau-de-arara”
“Imagino… pra mim também não foi fácil… viajei a pé… de carona em caminhão de carvão, de leite e pau-de-arara. Trabalhei como faxineira… formiginha… babá. Viajei pro estrangeiro… comi o pão que o diabo amassou com o rabo… Mas fui… Agora tem uma história… Hoje eu venci na vida. Com a única coisa que fiz na vida. Tenho uma agência de Baby- Sitter. Em Londres e filiais espalhadas pela Europa…”
“Abandonou tudo, sua casa, eu, nossos filhos a troco de uma história?” – perguntou Seo Amâncio indignado.
“Não!!!! Abandonei tudo por mim!!!!!!!!!” – gritou Dona Clara.
“Mas porque voltou? Desculpe a pergunta… Sempre quis você aqui perto de mim. Pra eu cuidar de você… envelhecer juntos…” – gaguejou seo Amâncio.
“Voltei pra contar minha história… minha história… minha”
Clara levantou da cadeira andou pela sala, passou a mão nos moveis, chegou aos porta-retratos e ficou olhando os retratos dos filhos… Seu coração palpitou. Vieram as lembranças dos dias que eles eram sua razão de viver…Eram tudo: amor, carinho, preocupação, afeto, noites sem dormir, alegria, felicidade, tristeza, ônus, bônus e muito mais. Ali, pela primeira vez, em dez anos, ela sentiu uma ponta de arrependimento… os filhos… anos de dedicação… momentos de alegrias… algumas tristezas… a febre no meio da noite… os natais… todas as promessas de ano-novo… aniversários… os netos…
“Deus me livre de envelhecer… ainda mais do seu lado, Amâncio!!!!. Deus me livre!!!!” – falou Clara, tirando uma foto do Porta-retrato e disfarçando as lágrimas.
Então, ela caminhou até a porta de entrada, e sem dizer uma palavra, saiu.
Não olhou pra trás, não despediu do Seo Amâncio. Não sabia se estava arrependida ou não.
Por sua vez, Seo Amâncio não a impediu, não falou uma palavra de despedida, só fez um breve gesto de adeus na soleira da porta.
Ao retornar pra dentro da casa, reparou que um quadro estava torto, consertou -o…

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