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AS MESMAS MENTIRAS DE SEMPRE

MAIS UM CONTO DO LIVRO NUNCA PUBLICADO: “A VIDA NÃO É UMA COMÉDIA”…

‘- Eu estava sozinho, percorrendo o caminho de Santiago da Compustela. Andando dia após dias; sem parar. Já quase morto de tanto andar. Foi quando, de repente, do nada, apareceu um bando de beduínos. Com seus corcéis negros, suas vestes brancas, com os iatagãs de prata, reluzindo ao sol e seus gritos ensandecidos. A minha preocupação foi, somente, com a minha companheira, uma artista do cinema americano. Então, levei-a para atrás de algumas árvores, afim de escondê-la. E, rapidamente, cavei, com a minha inseparável colher de sopa, uma grande e profunda trincheira. Cobri a trincheira com folhas secas e me escondi também. Os beduínos não viram a trincheira e caíram lá dentro. E com um lanço certeiro, icei um cavalo do buraco. Já em galopes, montado sobre o pêlo do negro animal, puxei a minha companheira pelo braço. Na minha garupa, depois de dois dias e uma noite, entramos em Paris… ‘

– Puxa vida!!! que história fantástica Getúlio!!!!!! – exclamei meio sem jeito, pois tinha a absoluta certeza que era tudo mentira.

E eu não poderia retrucar, pois; Getúlio é o meu superior no departamento. E a minha única e exclusiva porta de promoções, nesse momento. Mas está ficando cada vez mais difícil engolir as suas histórias. Getúlio é uma pessoa legal, amigo leal e desprendido, mas fabula, vive em um mundo que não é real. E ele acredita, piamente, em suas histórias: por mais absurdas, loucas ou perfeitamente irreais que elas sejam. Lembre-me da primeira história que ele contou, quanto cheguei ao departamento. Como eu não o conhecia pensei que era verdade:
‘ – …não… não e não. Assim não dá. Eu não quero assim..’. – gritava Getúlio ao telefone, quando eu entrei na sua sala. Ele abana a cabeça me cumprimentando e me indica a cadeira. Tampa o bucal do fone e me fala entre os dentes – ‘É o governador… Não Governador… não e não. Eu não vou nesse jantar e muito menos assentar do lado do prefeito. Não gosto dele, ele não é do meu partido e ele tem cheiro de cachorro molhado. Troca a data do jantar para o dia 27. Sei que ele não vai estar na cidade. Só vou ao jantar se ele não for. Dia vinte sete é um bom dia para um jantar. Está bem, depois a gente conversa; tenho que trabalhar… Adeus governador. Pois é, meu jovem, o governador não faz nada sem antes falar comigo… é uma droga isso. Gostei muito do seu currículo, Adriano. Você vai ficar aqui, por experiência, se você for bom como o seu currículo fica… se não… cai fora. Só gosto de trabalhar com gente experta.’
Assim, ao sair da sala, pedia, na recepção, para dar um telefonema, e, para minha surpesa, a secretária falou-me que os telefones ainda não havia sido ligados. Contra-argumentei que Getúlio estava ao telefone falando com o governador. A moça se limitou a sorrir e me informar, novamente, que os telefones não estão ligados ainda…

Depois desta história vieram outras e mais outras. Ele me contou que era amigo intimo do Roberto Carlos, Vera Fischer, Boni, Silvio Santos e Carla Peres. Tinha viajado meio mundo: Europa, África e todas as Ámericas. Havia jantado com todos os presidentes desde João Figueiredo. Desviou, com um chute ninja na mão do sujeito, o terceiro, e talvez fatal, tiro que acertaria o Papa. Viu, com os olhos que a terra há de comer, o sujeito que atirou as balas envenenas na barriga de Tancredo Neves. Conhece desde o Sudão de Brunei ao Chefe dos Pataxós, alias já almoçou com todos. Namorou com artistas do cinema brasileiro, americano e francês, com várias modelos de fama internacional, com as princesas européias mais bonitas e ricas. Foi convidado, mas recusou, para estrelar novelas na Globo; por conta disso o próprio Gilberto Braga o implorou, por diversas vezes, a aceitar um papel. Pelas minhas contas, já cursou sete e formou em cinco cursos superior, a saber: Direito, Jornalismo, Administração, Arquitetura e Engenharia de Automatização. Prática vários esportes como golfe, hipismo, esgrima, polo aquático, tênis, e o tradicional futebol. Ajudou a eleger e, principalmente, a derrubar o Fernando Collor. Enfim, tudo sabe, tudo conhece, de tudo faz…

‘- Adriano, assenta aí. Que vou lhe contar a primeira vez que passei no vestibular. – começou ele – Passei no curso de Direito com apenas 16 anos. Passei em primeiro lugar; com uma pontuação tão fantástica que a universidade me buscou em casa de linosime com chofer e tapete vermelho. O curso de Direito é de cinco anos, mas fui tão bem, que em menos de três anos eu me formei. O próprio Reitor me entregou as várias medalhas de honra ao mérito que obtive. Mas, não quis ser advogado. Imagina você, Adriano, que o presidente da Ordem dos Advogados até chorou quando eu desisti…’
Já não agüento mais ficar ouvido essas histórias amalucados do Getúlio. Fico com cara de bobo, não posso falar nada e tenho que fingir que acredito nele. Mas, a cada dia que passa a suas histórias vão ficando cada vez mais inacreditáveis, mais chatas e bestas. Mas, também, eu gosto dele e cada vez que ele me conta uma das suas mentiras fico com muito pena dele. Isso é doença; ele não cria as histórias só por prazer. Fico pensando se há um jeito para ajudá-lo; sei que é difícil; pois ele próprio acredita, de pé juntos, nelas. Aí se alguém discordar, duvidar ou ridicularizar, ele vira uma fera e parti para ignorância com quem duvida dele. E só pode ser doença mesmo. E lá no departamento, ele tem vários apelidos, claro que todos só são usados pelas costas do pobre-coitado, chamam-no de: Getulio-pinoquinho, Barão de Fontainbleau, Getulio-tem-pernas-curtas e outros piores. Hoje, tem reunião mensal no departamento. E sempre nessas reuniões ele aproveita para contar meia dúzia de histórias… e tão massante. Hoje, não estou com muita paciência para escutar, não.
‘- Bom, equipe, em quando o Macedo não chega vou contar para vocês o verão que passeai na Europa no ano de 89. Eu estava em Monte Carlo, hospedado no apartamento do Senna. Assim, de repente, resolvi assistir uma peça no Scala de Milão, fui p’ra lá de trem. No fim do primeiro ato, o imediato da Baronesa Bernadoff levou-me um bilhetinho… da própria Baronesa… convidando-me para assistir no restante da peça em seu camarote. A Baronesa Bernadoff, uma linda russa, com os olhos de um verde profundo e brilhante que nem as esmeraldas do colar, brincos e tiara, que ela estava usado, consegui ofuscá-los. A família da Baronesa fugira de Rússia quando os comunistas tomaram o poder. Foi uma das poucas famílias da nobreza russa que conseguiu escapar ilesa e todo a sua fortuna, depois do golpe. É claro que fui… antes mesmo do fim da peça, já havíamos combinados de fazer um safare nas savanas africanas. Partiríamos, no dia seguinte, ao meio dia, no jatinho da Baronesa. Ficaríamos baseados na fazenda africana do Major Taylor, amante da Condessa de Medici… essa, também, iria com a gente. Voltei para Monte Carlo, afim de pegar a minha famosa colher de sopa e, também, para desmarcar um baile de gala com os Grimaldis…’
Eu não estou mais com paciência, olho para Talita, que me devolve o olhar com um leve sorriso. Olho para a porta… rezo para o que Macedo chegue logo. Mas, quase instintivamente, eu sei que o tal Macedo não vai chegar. Porque Getúlio começa todos as reuniões com as mesmas mentiras de sempre…

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